sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Os porquês do futebol

O texto abaixo é colaboração da amiga do blógue, doente por futebol e que tenta, mais uma vez, explicar toda a nosssa paixão e devoção.


Eu já tentei entender, sem sucesso. É apenas um escudo. São apenas cores. Onze jogadores correndo atrás da bola em nome de uma instituição que nada tem a ver comigo e pode ruir a qualquer momento.

Mesmo assim, minha paixão por futebol é maior que qualquer outra que eu tenha ou já tenha tido. Eu acompanho os resultados do meu time. Eu verifico o resultado dos outros times que influenciam no meu. Eu torço contra os times de que não gosto. Eu visto pelo menos uma cor do meu time todos os dias e só uso a cor do maior adversário se perdi alguma aposta.

Vitórias me deixam mais feliz que um aumento salarial. Derrotas são quase como perder o emprego e me dão vergonha de sair na rua. Já faltei ao trabalho por conta de derrotas do meu time. Com um pequeno detalhe: sou mulher.

Já disse Diogo Mainardi: “O futebol é irrelevante”. Sob a ótica estritamente racional, ele tem toda a razão. Afinal, sem incluir a paixão do torcedor, o que é um clube de futebol senão uma instituição como outra qualquer? Que contrata, demite, paga salários e tem que gerar resultado? A diferença aqui é que o resultado das empresas é o dinheiro; o dos clubes, as vitórias – o dinheiro é conseqüência. Um clube pobre em faturamento, que vença muito é mais popular e visto como mais bem-sucedido que um clube milionário que não vence com freqüência. Então entra o outro ponto: ninguém torce para uma empresa ganhar dinheiro, a não ser que tenha ações. Eu por acaso tenho ações do meu clube??

Meu Clube! Que sentimento irracional de posse! Algo quase tão obtuso quanto “meu marido”. Meu marido tem nome, meu clube também. E nenhum dos dois é inteiramente – se o é em alguma medida – meu.

Mesmo assim, me vejo dona. Eu e toda a torcida. Meu clube, meu estádio, meus jogadores. Muito mais meus que o meu marido. Afinal, de marido eu troco; de time, jamais.

E isso é outra coisa que não tem razão de ser. Eu amo meu marido. Ele faz tudo por mim, somos felizes juntos. O que meu time faz por mim? Por mim, efetivamente? NADA! E eu trocaria de marido, mas não de time? Insano.

Para tentar entender essa dicotomia – amo algo que não é nada e nada faz por mim mais que qualquer outra coisa – recorro ao mestre Nélson Rodrigues, que não gostava de futebol, diga-se de passagem.

Se bem que... não, é melhor não. Como vou usar como exemplo uma pessoa que não só não gostava de futebol, bem como o enxergava como um pano de fundo para o que é realmente importante? O futebol não é pano de fundo, é ator principal. A batalha campal que é o futebol; o bem contra o mal arbitrado por um ser todo-poderoso (o árbitro) é uma linda representação da vida.

O Ser todo-poderoso na vida, assim como o árbitro no futebol, muitas vezes é injusto conosco – na nossa visão, claro. Aplica punições desnecessárias, premia injustamente, tem seus preferidos, é parcial. Como na vida, a regra é clara, mas carece de interpretação; e cada um interpreta como lhe convém.

No futebol, o bem luta contra o mal e nem sempre o mocinho vence, assim como no mundo real. É muitas vezes difícil entender qual é o lado bom – no meu caso, é sempre o meu time – e qual é o lado mau, para se ter certeza de quem venceu quem. E quando empata? Quem venceu?

Já entendi. O futebol é uma arte e a arte imita a vida (chavão básico). Mas no que isso explica tamanha paixão por algo que não faz nada por mim, não me gera nenhum valor, só me faz gastar dinheiro e não só não me ama de volta como nem sabe quem eu sou?

Uma parte da explicação pode estar no amor idealizado, platônico. Eu posso chegar perto dos jogadores, comprar produtos do time, ser sócia do clube, mas o clube nunca será meu; assim como aquele carinha inatingível da minha adolescência em quem eu penso até hoje. Ah, se eu tivesse casado com ele... tudo seria diferente? Melhor? Pior? Essa é a mágica do platonismo. Não há como saber, então só nos resta imaginar; e a imaginação pode tudo!

Eu não troco meu amor platônico por um amor materializado. O amor real pode dar errado; o platônico sempre dá certo. Não há motivos para brigas, desentendimentos, problemas relacionais, já que a via é de mão única. Então, a paixão nunca morre e todos são felizes para sempre.

Muitas vezes, a identificação com um determinado time tem explicações históricas, familiares, sociais. Uma família de origem portuguesa, por exemplo, torceria pelo time de mesma origem. Não é o meu caso. Minha família é dividida; torço pelo time do meu pai, mas o primeiro emprego da minha mãe foi no arquiinimigo. Meu time é elitista, alemão, de direita e já foi muito racista. Sou trabalhadora, italiana, de esquerda e sempre fui aberta. Em suma, eu deveria ser do outro lado. Mas o amor é assim mesmo... quanto menos se entende, mais se ama.

A conclusão lógica é que não existe conclusão lógica. O cérebro tem dois lados e as escolhas futebolísticas parecem ser definidas pelo lado direito, sem qualquer participação do esquerdo. Nessa hora, lembro de um professor que disse “Quando temos uma intuição, normalmente estamos certos. Isso porque a intuição é fruto do lado direito do cérebro, que faz um milhão de sinapses por segundo. O esquerdo faz quarenta mil. Se a intuição for oposta à lógica, fique com a intuição”. Meu time foi escolhido pelo lado direito; não adianta o esquerdo entrar na jogada. Enquanto o racional tenta me convencer quarenta mil vezes a trocar de time, a intuição me prova um milhão de vezes que estou bem onde estou.

Annie Fim tem 30 anos, gaúcha, mora e trabalha no Rio de Janeiro e alenta de longe o Grêmio, Imortal Tricolor

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