quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Com os dias contados

O texto abaixo foi surrupiado do Impedimento e é de autoria do Fino, amigo querido e galhofeiro de primeira.

A primeira coisa que eu vou falar nesse texto também poderia ser a última, já que resume o drama todo. Mas a coisa chegou num ponto em que o Gre-Nal das torcidas já não compensa o risco. Enquanto não morrer gente - seja no Olímpico, seja no Beira-Rio - as pessoas não vão se convencer que o clássico Gre-Nal já não comporta duas torcidas.

O que eu passei na tarde de domingo não foi diversão, não foi futebol. Foi revoltante.

Mas o bovino way of life nos ensina desde cedo que abaixo do Rio Mampituba ou tu é Grêmio, ou tu é Inter. Naquela lógica bovina de que gaúcho é super antagônico e isso é super legal porque demonstra como somos politizados (?) e adoramos divergir uns dos outros. Ou tu é chimango ou é tu maragato. Ou tu é PT ou tu é anti-PT. Ou tu é 8 ou tu é 80.

Até aí, LEGAU. De boa, É BUNITU.

Mas o Gre-Nal já não compensa o risco.

Fui sozinho para a Azenha e combinei de encontrar uns ex-colegas por lá. Cheguei e fiquei tomando uma ceva no AÇOUGUE (na Av. Azenha mesmo, uma quadra antes da ruela que dá acesso ao Largo dos Campeões). Isso era aproximadamente 15h da tarde. Viam-se alguns colorados no movimento dos carros. Mas eu juro que ainda não sei identificar quais deles devemos atacar.

Eu tava sentado numa mesa, tomando minha ceva, quando uma senhora parou na fila do semáforo. Uma senhora meio mamacita assim, não muito coroa, com uns piás no banco de trás, colorados. De repente UM cara se indignou porque um dos PIÁS de 13 ANOS fez um sinal pra ele de dentro do carro. O cara atirou uma garrafa na porta e ficou ali tacando o horror, chamando a mulher de puta e vadia pra baixo, enquanto a coitada surtava no volante. Deu umas bicudas na lateral do carro e ALIVIOU a pressão.

O Palio que parou no mesmo semáforo, 10 minutos mais tarde, se fodeu um pouco mais. Eram 3 caras de camiseta do Inter. Passaram e não provocaram ninguém. Um gremista chegou do lado do carro e tacou um copo inteiro de cerveja na cara do caroneiro. O cara nem respondeu nada, simplesmente abriu os braços. Tomou dois cruzados na boca antes de uns 10 gremistas depenarem o veículo. Não sobrou nada. Parecia ter capotado umas 30 vezes. O motora meio que demorou pra se mandar dali, é verdade. Teve que fugir por cima da calçada, quase atropelando uns pedestres. Ou seja, já podiam ter morrido uns bovinos aí.

Mais tarde, já em frente ao Olímpico, uma multidão aguardava o deslocamento com a escolta, já com algum atraso do horário previsto. Na primeira parada, em frente ao Exército, ali na Corrêa Lima, a primeira revista para ver quem estava com ingresso. Aí já se viu que tinha muita gente sem ingresso. Segue o baile. Mais uma revista metros adiante. Já próximos ao Estádio dos Eucaliptos, nova revista. Dessa vez feita no espaço entre um muro e um poste da calçada. 2.500 pessoas sendo revistadas em um vão de, no máximo, 3 metros de largura. Faltando 30 minutos para a bola rolar. A cada empurrão da turma de trás, a turma da frente levava choque dos hômi.

E quando alguém escapava da escolta, parava todo mundo de novo. Aconteceu quando uma turma considerável avistou um bar no meio da outra quadra e desviou a rota atrás da bira. Também aconteceu quando rolou um CONTATO VISUAL com os colorados, seguido de correria e novo festival de cacetadas por parte da Brigada.

Atravessamos a Padre Cacique e seguimos escoltados por dentro do Parque Marinha do Brasil até o corredor de madeira compensada erguido da frente do portão 3 até o Gigantinho. A essa altura faltavam poucos minutos pros times entrarem em campo e já no acesso ao corredor improvisado, começa aquele empurra-empurra gostoso antes de nova revista da Brigada Militar. Aí tu vê que tem uns retardados que resolvem agredir a polícia, que, descontrolada, revida em cima de todo mundo que estiver no caminho. Pau afu. Em todo mundo.

Quando consegui entrar no corredor de acesso, logo atrás veio um cara com um guri de uns 10 anos de idade aos prantos e com um senhor de um corte na cabeça.

Entramos.

Antes do jogo os colorados pareciam nos recepcionar festivamente, arremessando presentes do andar de cima. No início do jogo, tomamos um gol. Logo em seguida empatamos. Antes mesmo do segundo gol do Inter, que eu não vi, porque tava me protegendo da pauleira, uns caras do Grêmio estavam se moendo a pau, porque não sei quem tinha reclamado que era pra baixar a bandeira que tapava a visão de 200 gremistas, que faziam coro à reclamação. Bate-boca rolando ao meu lado mas eu seguia com o olho no jogo. De repente, mastros das bandeiras quebrados e 20 gremistas se demolindo do meu lado. Intervenção da Brigada e cacetada em todo mundo.

Inter 2 x 1. Beira-Rio em chamas. Pedras de lado a lado. E não era pedrinha brita, era pedaço de concreto do tamanho de um cinzeiro. Gravatearam uns 4 e levaram pra fora, passando no meio da torcida Inter, sob forte atilharia. Inter 3. Inter 4. Chuva de mijo e de pedras.

O segundo tempo pareceu passar em 15 minutos. Numa dessas um cara na minha frente leva uma pedrada NA MENTE. Só ouvi o TÓC. O cara meteu a mão na testa e saiu em direção aos degraus superiores. Esqueci o jogo, só olhava para os lados, mais alerta que escoteiro mirim. Quando uma pedra caiu perto de mim, corri para juntar. Um demente pegou antes de mim e falei pra ele aos berros:

- Entrega pra Brigada, meu! Mostra que tá vindo lá de cima!

- Que Brigada, rapaiz??? Eu sou maloqueiro! Fica na tua que eu vou guardar pra usar daqui a pouco.

Minha vontade era socar esse magrão até quebrar todos os ossos da minha mão.

De repente a Brigada SUMIU da divisória entre as torcidas. Gremistas botaram abaixo o portão que dividia as torcidas. Gremistas invadindo o espaço colorado, que se abria como um clarão. Integrantes da Nação resolvem fazer frente e percebe-se ainda um deslocamento maciço de colorados vindo da Popular e da Camisa 12. Intervenção mais fodida por parte da Brigada, em tempo de evitar uma tragédia, que consegue deslocar os gremistas de volta para o seu espaço. Terror e pânico. Provocações de lado a lado e cerca de 50 policiais baixando o sarrafo nas duas torcidas. Nisso explodiu uma bomba do meu lado. Cheguei a cair pra trás com o impacto da explosão. Uma bomba daquelas, no local certo, arranca fácil uma perna, eu acho.

Já na primeira das brigas havia me perdido dos meus amigos. Vontade de ir embora, mesmo sabendo que ficaria mais algumas horas ali sem saber o que estaria por vir. Cambada de otários cantando “vemmm, vemmm pra porrada vem! filha da puta!”. Agridem a polícia e fogem no meio da multidão, que não tem rosto e apanha por isso.

Esperei até as 10 da noite pra deixar o Beira-Rio. Na hora de sair, tudo alagado. Gremistas reclamando que “era mijo”, “haviam mijado tudo ali pra nos foder”. Depois se deram conta que a água que passava o calcanhar era dos encanamentos dos banheiros demolidos logo da nossa entrada no estádio.

A ida pra casa foi relativamente calma, com a camiseta dentro da bermuda e o cu na mão. E o cu na mão não era necessariamente medo. Eu sabia que se rolasse confusão era só fugir em direção oposta. O cu na mão era a tensão e a adrenalina a mil, que me transformaram num caledoscópio humano mirando todos os lados.

Não é bem isso que se espera de uma partida de futebol. Não vale mais a pena. Não vou mais ao Beira-Rio e não recomendo que colorados venham ao Olímpico. Cada vez mais só quem vai encarar essa bronca toda serão “os de fé”. Que, em breve, vão se matar e sepultar o clássico gaúcho.

Espremer a torcida adversária num canto do estádio e colocar a Brigada pra deslocá-los como quem leva o gado para o abate é estimular a violência. Mais do que permitir o consumo de bebida alcóolica dentro dos estádios.

O Gre-Nal já era. E talvez quando morrer gente eu não tenha mais que ouvir um postulante à presidência do meu clube debochar no rádio no dia seguinte que “20 mil correram de 3 mil, DE NOVO”.

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