terça-feira, 22 de julho de 2008

E essa taça vamos conquistar

Aproveitando o momento esquisito que o Flamengo passa - vindo de duas derrotas consecutivas e outras paradas ainda absurdas - amigo do blógue e flamenguista saudável como essa que vos escreve mandou uma contribuição tentando explicar um pouco de nossa empáfia em vermelho e preto. Segue:

Exílio

Eu sou um Trotsky do futebol. Por amor a uma mulher – uma causa muito melhor do que comunismo – me desloquei a Recife, a 2000 quilômetros das minhas outras paixões: Chopp Ruivo, Biscoito Globo e o Maracanã em dia de jogo do Flamengo. Uma coisa comum para qualquer mortal, um drama para um futebolista convicto.

Filho de pai estrangeiro apaixonado pelo Flamengo, com uma carreira de garoto maroto travesso ¹ interrompida no Olaria por uma miopia incorrigível – pelo menos parei mais no auge que o Tostão. Afinal, nunca me ameaçaram de virar Stevie Wonder - me restava a arquibancada, um papel que sempre cumpri com ardor.

Não me lembro com carinho de jogos fantásticos e dramáticos citados pelo mainstream. Gol do Pet aos 43 do segundo tempo? Tá, foi maravilhoso, mas não supera Leandro Piu-Piu virando um Olaria x Flamengo pra 3x2, na Bariri lotada, com aquele inebriante cheiro de futum, aos 30 do segundo tempo, quando estávamos perdendo por 2x0. Isso é futebol, os jogos esquecidos e dramáticos são quase como os lados B dos Beatles.

Direto do túnel do tempo, minha primeira vez no Maraca foi em 1987, Flamengo 3 x 1 Santa Cruz, com direito a hat-trick de Zico, inspirador do meu nome (diz meu pai. Minha mãe fala aquelas coisas de Távola Redonda, o que obviamente é uma falácia. Afinal, Rei Arthur era corno², uma coisa que nunca fui – pelo menos nunca soube, pra que me desiludir?)

Depois deste jogo, foram centenas de vezes saindo rouco e vendo grandes jogos – e poucas decepções – no maior estádio do Mundo. Nunca vi meu time perder pro Vasco no estádio – hoje parece fácil, mas quando eu era moleque não era um jogo ganho, acredite – e vi viradas sensacionais – Mercosul 1999, adeus, porco, por exemplo.
Ao chegar em Pernambuco, após uma adaptação difícil, consigo praticamente sobreviver sem chorar numa novela de Manoel Carlos, o biscoito Globo eu substituí pelo bolo de rolo - e me dei bem na troca – e o chopp da Brahma virou artigo de raridade compensado com a Bohemia mais barata.

Mas o Flamengo? Como substituir o Flamengo? Não dá. Aqui há 3 clubes de peso. O Sport, o Náutico e o Santa Cruz. A TV daqui passa jogos destes times. É lindo, pro povo daqui. Mas me resta apenas a internet, ou uma Sky aleatória para ver o verdadeiro rubro-negro em ação – o resto, perdoem-me torcedores do Sport, Vitória, Atlético –PR e Campinense, entre outros, é tudo vermelho e preto. Rubro-negros, só nós.

Eles acham que a Ilha do Retiro é a ilha de Lost. Eles não sabem o que é o Maracanã tremendo com 70.000 pessoas gritando e pulando. A Ilha é um lindo estádio, fato. Mas transformar o maior do mundo em alçapão não é pra qualquer um. Se o Flamengo fosse uma banda, seria o Kiss. Nem sempre lança os melhores discos, quase nunca vai pro topo das paradas, mas um show do Kiss é imperdível. Se o Flamengo fosse sediado em Hiroshima, ele teria renascido sozinho após a bomba atômica, e ainda teriam renascido 15.000 torcedores cantando “ôoooo, Bomba de novo”. É inexplicável. Absolutamente parcial, indescritível e inexplicável.

Nós somos odiados pelos outros. Só que, ao contrário de outros times odiados, nosso ódio vem acompanhado do temor. Eles temem a gente, sempre temeram. O citado Sport estava invicto há 8 meses na “Ilha de Lost”. Quem foi lá comer o urso polar? Pois é, nós. Não é que nós nos achemos os melhores. Isso é coisa de vascaíno ou são-paulino, essa coisa Hitleriana de “time superior”. Nós somos os Stalins dos gramados. Quando não tem mais jeito, a gente vai lá e ganha. E se não serve pra jogar no nosso time, a gente manda pra um gulag tipo Botafogo ou América de Natal. Isso é ser Flamengo, com todos os defeitos, virtudes, agruras e honras que isso possa ter.

E quanto a mim, fico aqui nas quartas à noite, entretido com o Sport, o Salgueiro, o Náutico, o Santa Cruz, cruzando os dedos pro Mengão estar ganhando, ligando o online do Globo Esporte, e acordado pra ver os gols no Jornal da Globo. Um dia eu compro a Sky. Enquanto isso, continuo exilado. Um Trotsky do futebol.

Arthur Chrispin, 30. Advogado, músico, rubro-negro, marido da Érika, padrasto da Íris, que jamais gritará Cazá e que adora o futebol, chopp, mulher, família e história contemporânea, não necessariamente nesta ordem.

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¹ música da Alcione
² Marion Zimmer Bradley que me contou. E yo no creo en brujas...

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